“A ÚLTIMA LIÇÃO DE JESUS”
Certamente é um título muito adequado para este estudo.
O apóstolo João dedicou 5 capítulos de seu Evangelho (13-17) às últimas horas que Jesus passou acompanhado apenas dos discípulos. Era a última Páscoa, a última refeição, as últimas horas que compartilhavam antes da dramática prisão, julgamento e crucificação do Senhor.Na época neotestamentária, Connelly diz que se a visita fosse coletiva e o dono da casa não tivesse condições de cumprir o protocolo, por cortesia, um componente do grupo, voluntariamente, se apresentava para o serviço (2008, p. 109).
Mas, naquela noite, nenhum dos acompanhantes de Jesus desprendeu-se para o gesto singelo e o artigo objetiva refletir TRÊS RAZÕES POSSÍVEIS PARA ESSA INDIFERENÇA e seus desdobramentos inéditos. “Querer ser o maior, chefe, ainda continua sendo uma poderosa tentação para muitos cristãos” (Pr José Gonçalves).
PRIMEIRA RAZÃO: DISPUTAS INTERNAS
O convívio dos Doze foi marcado por constantes disputas: “Começou uma discussão entre os discípulos acerca de qual deles seria o maior” (Lc 9. 46). Queriam saber quem teria a primazia no colégio apostólico; uma contenda que perpassou o período em que estiveram na companhia do Mestre.
SEGUNDA RAZÃO: MAU ESTAR GENERALIZADO
A polêmica cresceu, extrapolou o círculo apostólico e o âmbito terrenal. A esposa de Zebedeu (Salomé) entrou na querela e rogou a Jesus que seus filhos Tiago e João fossem os eleitos para estar à sua direita e esquerda no Reino escatológico.
A atitude da mulher criou um mau estar generalizado, incendiando ainda mais a disputa, porém, o Mestre descartou a concessão de privilégios especiais no Reino vindouro: “Esses lugares pertencem àqueles para quem foram preparados por meu Pai” (Mt. 20. 20-28).
TERCEIRA RAZÃO: NINGUÉM QUERIA SE REBAIXAR
Uma terceira razão para os discípulos não terem se importado em lavar os pés uns dos outros estaria na desvalorização da função naqueles dias, uma ação extremamente humilhante, amiúde, relegada a um servo portador de alguma deficiência física ou mental, incapaz de prestar outro tipo de serviço, como, afirma Connelly, já referenciado.
Nessa trama ardilosa, entende-se por que nenhum deles queria “descer”, “rebaixar-se” e banhar os pés uns dos outros.
“Nunca seremos aptos para o serviço de Deus, se não olharmos para além desta vida passageira” (João Calvino).
…
O gesto de cortesia tornou-se vergonhoso e desprezível naqueles dias, porém, o Mestre resgatou-o em seu ministério (Lc 7. 44), deu-lhe ressignificado, atribuiu-lhe valor de grandeza suprema, imensurável e transcendental em seu Reino:
1. No Reino de Deus, bem aventurados (felizes, abençoados) são os humildes de espírito, os mansos, os famintos, os sedentos de justiça, os que choram (penitentes), os misericordiosos (Mt 5);
2. No Reino de Deus, “Se alguém quer ser o primeiro, será o último e servo de todos” (Mc 9. 35);
3. “Aquele que se humilhar como [uma] criança, esse é o maior no Reino dos Céus” (Mt. 18.4);
4. No Reino de Deus, as coisas fracas confundem as fortes, “Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele” (1 Co 1. 27-29).
Entretanto, no imaginário dos Doze, o Reino do Senhor comportaria a reprodução da estrutura social ainda vigente em nossos dias, onde, maior é quem detém o poder político, econômico ou mesmo religioso, tem status social, domina o semelhante.
Mesmo assim, o Mestre não reprendeu seus pupilos, não ordenou que fizessem o procedimento esperado, não cancelou a refeição.
Ele é o “Servo do Senhor”, humilde, manso, obediente (Is 42) e, calmamente perguntou: “Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve: Porventura, não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós eu sou como quem serve” (Lc 22. 27).
Conforme uma tradição judaica, os pupilos de um rabino tinham a obrigação de prestar-lhe os mesmos serviços de um escravo, exceto, “a lavagem de seus pés, que era serviço por demais braçal e humilde”. Então, Jesus decidiu fazer por seus discípulos o que nem mesmo era esperado deles em seu favor (Robert Gundry: Panorama do Novo Testamento, p. 210).
A ÚLTIMA LIÇÃO DE JESUS: HUMILDADE
Para perplexidade geral, o Senhor “Levantou-se da mesa, tirou sua capa e colocou uma toalha em volta da cintura [atitude servil]. Depois disso, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em volta de sua cintura” (Jo 13. 4, 5, Novo testamento NVI).
Com o gesto serviçal Jesus rompeu mais um paradigma cultural na relação mestre-discípulo, ressignificou o sentido de liderança para a cristandade e confidenciou o que esperava deles dali em diante: “Vós me chamais o Mestre e Senhor e dizeis bem, porque eu o sou. Ora se eu, sendo o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (Jo. 13. 13,14).
“Que Ele cresça e eu diminua, que Ele apareça e eu me constranja com a sua Glória e todo o seu amor, infinita humildade, servo de todos os irmãos” (Deigma Marques).
Quebrantados, os discípulos entenderam que Jesus não veio ao mundo para distribuir benesses e privilégios para alguns. Após a última lição do Mestre estavam aptos para o querigma evangélico, “A Grande Comissão” (Mt 28. 18-20).
Foram cheios do Espírito Santo (At 2) e esvaziados da ânsia pelo poder. Entenderam que não deveriam buscar honrarias humanas, que a glória dos súditos do Reino encontra-se, unicamente, na cruz do Senhor Jesus Cristo (1 Ts 2. 6; Gl 6.14).
Jesus demonstrou que no Reino de Deus não existe trabalho desonroso ou insignificante. As tarefas que parecem mais simples, realizadas com amor, são inefáveis aos olhos do Senhor. Uma bacia com água e uma toalha permanece para nós como padrão de excelência no serviço aos irmãos.
Título: A última lição de Jesus
Auto: Evaldo Jorge Mendes – Professor de História da Igreja FATES-Faculdade Teológica do Espírito Santo na CBN – ES
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